Memorial Leandro Ciulla

MEMORIAL Leandro Ciulla

Acredito que minha decisão em exercer profissionalmente a psiquiatria surgiu ainda na infância, quando comecei a entender o trabalho psiquiátrico através de meu pai (médico psiquiatra) que continua exercendo a profissão. Participo de sua rotina desde criança onde acompanhava-o e recebia com curiosidade, fascínio e interesse suas explicações sobre o seu trabalho. Desde cedo conheci o Hospital Psiquiátrico São Pedro em Porto Alegre e tive a possibilidade de conversar com doentes crônicos institucionalizados. Acredito que foi neste momento da minha vida que começou a experiência na área de psiquiatria.

Durante o período escolar (primeiro e segundo graus) me interessava assuntos referentes a área da saúde. Nesta época amadurece a idéia de fazer medicina para posteriormente exercer a psiquiatria. No ano de 2000 fui aprovado no vestibular da Ulbra onde iniciei o curso com muito ânimo, pois um sonho que estabeleceu-se muito cedo em minha vida iniciava. Já no primeiro ano de faculdade tive contato com professores de ponta na psiquiatria do Rio Grande do Sul como: Nilo Fichtner (pioneiro da psiquiatria infantil em Porto Alegre), Salvador Célia e Odon Frederico Cavalcantti Monteiro Carneiro, nomes que contribuíram e contribuem para ampliar o conhecimento na área psiquiátrica.

Acompanhei esses professores durante todo o curso de medicina com entusiasmo. Desde o começo da faculdade trabalhei atendendo famílias de baixa renda e com grandes problemas sócio-econômicos na Vila Mathias Velho em Canoas. Minha principal atividade era conversar e amenizar problemas e transtornos relacionados as suas dificuldades emocionais. Em 2002 conheci o Lar São José, onde acompanhei até o final da faculdade, voluntariamente o benevolente trabalho que o professor e psiquiatra Salvador Célia vinha realizando sobre os cuidados na “relação mãe-bebê”. Pude também cuidar e tratar pacientes com sua supervisão. Neste período da faculdade também acompanhava meu pai no tratamento de pacientes hospitalizados na clínica São José.

Durante o curso, sempre estive envolvido em congressos, trabalhos, encontros e ambulatórios de psiquiatria, mas o que mais me chamou atenção foram os eventos em Gramado e Canela onde eu ministrava palestras sobre sexualidade em escolas sendo supervisionado pelos respectivos professores da disciplina de psiquiatria. Entrei em contato, assim, com outros professores do curso de medicina envolvidos como Carlos Barros, Ilson Enk, Carmem Nudelmann e Jorge Inácio, momento em que pude aprofundar meus estudos na área da “relação mãe-bebê” e constelação da maternidade (conceito desenvolvido pela psicanalista e pediatra francesa Myriam Szejer sobre o conjunto de transformações psíquicas e emocionais que ocorrem na mulher durante a gravidez, parto e pós parto, que a preparam para o papel de mãe).

Em 2005 tive minha iniciação científica com o Prof. Dr. Honório Sampaio Menezes (médico pesquisador FAPERGS e do Grupo de Pesquisa em Medicina Experimental da ULBRA/CNPq, também membro do Grupo de Pesquisa da FUC/ICRS/CNPq). Desenvolvemos então pesquisas na área de psicofármacos. Realizamos trabalhos sobre a comparação dos efeitos antidepressivos da duloxetina (medicamento na época ainda não lançado no Brasil) e da fluoxetina: Antidepressant behavioral effects of duloxetine and fluoxetine in the rat forced swimming test (doi: 10.1590/s0102-86502007000500005) e a comparação dos efeitos antidepressivos da fluoxetina e da amitriptilina: Antidepressant behavioral effects of duloxetine and amitriptyline in the rat forced swimming test (doi: 10.1590/s0102-86502008000500010) , ambos artigos foram publicados na Acta Cirurgica Brasileira. Junto a este grupo de colegas percebi a importância da pesquisa na área biomédica. Neste período também realizei um estágio de dois meses na cidade de Tubingen na Alemanha em Psiquiatria, Neurologia e Neurocirurgia. Experiência muito enriquecedora pois pude acompanhar um excelente neurocirurgião em sua rotina de operações em inúmeras patologias cerebrais.

Após a formatura em medicina, que ocorreu em agosto de 2006, através do exame AMRIGS fui aprovado em 3 instituições para residência médica em psiquiatria: Universidade Federal de Ciências da saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Fundação Mário Martins e Hospital Conceição. Optei pela UFCSPA, pois após um estágio nesta instituição pude perceber que havia um excelente ensino em diagnóstico e em tratamento psiquiátrico. A experiência foi de grande valia para o aprofundamento dos estudos médicos na área de psiquiatria. Tive excelentes professores como: Ellis D’arrigo Busnello (professor em psiquiatria), Geraldo Taborda (Psiquiatra Forense), Carlos Salgado (especialista em dependência química) Ygor Ferrão (especialista em TOC), Ana Luiza Camozatto, Ana Freitas, Madeleine Medeiros e Ana Tietzmannn. Ao final da residência médica, juntamente com o Prof. Dr. Ygor Ferrão desenvolvi um trabalho de pesquisa na área de transtorno obsessivo compulsivo: Symptom Dimensional Approach and BDNF in Unmedicated Obsessive- Compulsive Patients: An Exploratory Stud (também publicado na revista CNS Spectrums doi: 10.1017/S1092852912000363).

No ano de 2010 participei do GPESM (Grupo de Pesquisa Envelhecimento e Saúde Mental) coordenado pelo Prof. Dr. Alfredo Cataldo Neto na PUCRS, onde ocorreu uma importante pesquisa sobre a prevalência dos transtornos depressivos em uma amostra de idosos do programa de saúde da família. Me interessei assim pela pesquisa em saúde mental no idoso. Realizei então meu mestrado em Gerontologia Biomédica, onde obtive primeiro lugar na classificação, sendo bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).

Neste período de mestrado também trabalhei como médico psiquiatra no ambulatório de Neuropsiquiatria Geriátrica da PUCRS e publiquei o artigo do mestrado com o título: Suicide Risk in the Elderly ; Data from Brazilian public health care program (doi: 10.1016/j.jad.2013.05.09), na Journal Affective Disorders (2013). Neste período também iniciei um curso de especialização em psicanálise com Dr Paulo Guedes (duração de 3 anos) onde pude aprofundar os estudos em psicoterapia de orientação analítica, que continuo exercendo na prática clinica profissional.

Em 2018 entrei como professor titular do curso de especialização em psiquiatria Cyro Martins. Ministro aulas e supervisiono médicos, em seus atendimentos psiquiátricos. Ainda hoje coordeno o clube de revista desta instituição, sempre estudando e analisando criticamente importantes artigos científicos “up to date” que são discutidos durante as apresentações.

No mês de setembro de 2022, ocorreu a inauguração do Centro de Terapias Biológicas Dr. Luiz Ciulla. Um sonho compartilhado juntamente com meu colega Dr. Antonio Mascarenhas. Neste local realizamos os procedimentos de Escetamina e Eletroconvulsoterapia com equipe especializada para o tratamento de Depressão Grave resistente a terapia convencional e com risco de suicídio. Dr. Luiz Ciulla (meu avô) homenageado com o nome deste serviço foi um dos pioneiros na psiquiatria do Brasil (1960) em tratamentos biológicos e psicofarmacológico. Já naquela época trabalhava com eletroconvulsoterapia. Procedimento que evoluiu a partir de tratamentos mais antigos já em desuso como Leucotomia Frontal e Coma Insulínico.

Em seu livro “Saúde Mental nas Etapas da Vida”, de 1976, Dr. Ciulla no capítulo de “Tratamentos Biológicos” faz os seguintes comentários: A gravidade de uma doença exige ação enérgica e decisiva, não permitindo contemporizações com recursos demorados que levarão à agravação, à cronicidade ou à morte. Combater qualquer terapêutica, consagrada pela eficiência, implica em rechaço passional, oriundo de preconceitos incompatíveis com o espírito científico que deve reger a medicina.” A partir desses trechos podemos ver que ele era um homem de atitude, coragem, ousado, um médico que estava muito à frente do seu tempo, desafiando os padrões sociais vigentes, e desde aquela época já combatia a antipsiquiatria e a “psicofobia”. Este exemplo tento carregar nos dias de hoje exercendo a psiquiatria e buscando a pesquisa como forma de ampliar os conhecimentos frente a temas e questões importantes em prol de nossa sociedade.

Em 2023 fui vice coordenador da Comissão de Psiquiatria Intervencionista da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria). Neste ano também realizei a prova para título de especialista em psicoterapia pela ABP na cidade de Salvador (Bahia). A obtenção deste título, considero uma importante conquista, pois mantenho meu trabalho como psicoterapeuta nos dias atuais. Atualmente faço parte como membro da Comissão de Procedimentos em Psiquiatria da ABP, onde alguns artigos estão sendo encaminhados para publicação, como por exemplo: Parecer da Comissão de Processo Ético-Profissional da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) sobre o uso de Cetamina no tratamento de doenças mentais.

Portanto, sabendo que o Transtorno Depressivo hoje é a doença com a principal causa de incapacidade global e que a depressão resistente ocorre em aproximadamente 30% dos pacientes. Sendo a Escetamina e a Eletroconvulsoterapia os tratamentos disponíveis com alta eficácia para Depressão Resistente com risco de suicídio, estou realizando pesquisas juntamente a UFPel nesta área , para que possa contribuir frente esta enfermidade em progressão e que muitas vezes acarreta um desfecho de forte impacto emocional também para quem convive com estes pacientes.